quinta-feira, 11 de março de 2010

Modernidade acaba com cinemas antigos

“À espera de um milagre”. O título do filme exibido durante a última sessão do Cine Veneza reflete a situação das grandes salas de exibição de Juiz de Fora, que estão fechando por falta de público, graças à concorrência com os cinemas Multiplex nos shopping centers. Tudo indica que esta é a nova tendência neste ramo. O Central reabriu como sala de espetáculos, o Excelsior continua “fechado para reformas” e o Palace retornou dentro da nova estética, agora dividido em duas salas e com uma proposta de divulgação cultural. O único cinema tradicional que não sofreu nenhum tipo de mudança foi o São Luís, que sobrevive graças aos filmes pornográficos que exibe. Enquanto isso, o shopping Santa Cruz abre duas salas e o Alameda, três, o que confirma a idéia de que este fenômeno pode indicar o futuro no ramo de exibição de filmes em nossa cidade.

Antes eram quinze: Cine Central, Excelsior, Palace, Festival, Glória, Popular, Rex, Para Todos, São Luís, Benfica, Auditorium, Real, Paraíso, Instituto Jesus e São Mateus. Hoje o número caiu para nove, sendo seis delas dentro de shopping centers.

A trajetória dos cinemas em Juiz de Fora se confunde com a própria história da cidade. Até os anos 30, havia uma única sala de exibição. O Politheama parecia um circo que tinha, no lugar do picadeiro, uma tela de cinema. Mas o espaço começou a ficar reduzido para os sonhos dos juizforanos. A direção do Politheama aspirava por trazer para a cidade as companhias de cinema, teatro, ópera e balé que se apresentavam no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com isso, as famílias ricas decidiram construir um teatro que pudesse tornar isso possível. Assim nasceu, em 1930, o Cine Teatro Central, construído para abrigar 2.064 pessoas. Em uma única semana eram exibidos três filmes diferentes. Artistas como Procópio e Bibi Ferreira se apresentavam em temporadas quinzenais, com uma peça diferente a cada dia. Hoje ele não é mais um cinema. Passou por uma reforma e foi reinaugurado em 1996, recebendo desde então peças de teatro e grupos de dança.

Depois do sucesso do Central, quatorze outras salas de exibição foram construídas. Os cinemas se tornaram mania na cidade. Não havia bares nem aulas noturnas. Além de servir ao entretenimento e à diversão, as salas de exibição eram o espaço onde se cruzavam os olhos e se uniam corações. O atual gerente dos Cines Santa Cruz e do Cine Star, Waltencir Pariezzi conta: “Para que os rapazes pudessem beijar as namoradas, eles se escondiam no cinema. As moças botavam roupas novas e desfilavam perto da fila da bilheteria”. Os cinemas que existiam na cidade eram especializados. O Excelsior só exibia filmes da Fox. Não acei-tava obras de outras companhias. O Cine Central adotava uma programação que contava com filmes de aventura e ação, voltados para as classes média e baixa. O Palace exibia romances e dramas. Como as opções, o público que lotava as salas de exibição era bastante eclético. Além das sessões especiais para mulheres, havia matinês para crianças. Pessoas de qualquer idade ou sexo faziam da platéia extensão de seus lares, e da tela, projeção de seus sonhos.

Waltencir Parizzi descreve as peripécias dos jovens na frente dos cinemas. “A fila boba causava muita graça”. Era o meio que os estudantes tinham para reclamar do aumento do preço do bilhete. “Eles entravam na fila mas não compravam o ingresso. Quando chegava a vez, saíam e retornavam ao final. Queriam só tumultuar”. O cineasta Franco Groia afirma que a crise de audiência veio, em parte, com o advento dos vídeo-cassetes e das TV’s por assinatura. As salas de exibição deixaram de ser o único meio de distribuição cinematográfica. O preço aumentou e o prazer de assitir filme no cinema ficou mais elitizado. Antes, o cinema era um evento social mais frequente. Hoje, é mais individual e esporádico. A classe baixa só vai se tiver o apelo da mídia televisiva. Começam a surgir os “cinemas de shopping”.

Cine Veneza nasceu na contramão desta tendência, no final da década de 80, como cinema de rua, tentando resgatar a tradição das grandes salas de exibição. Infelizmente acabou fechando por falta de público. Foi o último suspiro de uma tradição. A única sala tradicional que continua ativa até hoje é o Cine São Luís, que começou exibindo filmes normais para depois cair no circuito pornográfico. A gerente Dirce Parise afirma que o público é modesto, mas fiel. A mudança dos títulos é semanal mas ela afirma que muitas pessoas costumam ir todos os dias. De qualquer forma, o São Luís continua com o maior giro de espectadores de filme pornográfico da América Latina.

Multiplex caminha no sentido de uma maior escolha por filmes e formação de um local próprio para lazer. Com três ou quatro salas pequenas exibindo o mesmo filme, o público passa a ter maior variedade de escolha de horários. Além disso a rotatividade é maior, com a média de um filme novo por semana. Desta forma, os grandes grupos distribuidores lucram mais com a percentagem das bilheterias. “A receptividade do público é boa”, diz a gerente dos Cines Alameda, Helena Farias. O único problema apontado por ela é o excesso de procura pelas salas. “Às vezes os ingressos se esgotam uma hora antes da sessão”, diz ela.

Quanto ao futuro das grandes salas hoje desativadas, as sugestões são as mais variadas. Helena sugere sua transformação em teatros. O cineasta Franco Groia sugere a formação de centros de convenção, junto com a exibição de filmes, pois o público não pode perder o direito à escolha de assistir a um filme numa grande sala, relembrando as tradições de uma era dourada da sociedade juizforana. O importante é que grandes salas se mantenham fiéis ao seu compromisso com a difusão cultural, prinicpalmente numa época em que o comércio insiste em dar as cartas. Inclusive na sétima arte.

(Matéria publicada no "Jornal de Estudo" da Facom-UFJF, 2001)